sábado, 31 de julho de 2010

ACQUA

OU OUTRAS INDAGAÇÕES GENESÍACAS:


“A geografia prefigura a história”

Euclydes da Cunha
























Como teria surgido, aqui,
nessas águas atlânticas, outrora tenebrosas,
essa pétrea muralha que detém o mar?

Teriam os rios,
com a força milenar de suas enxurradas,
de suas grandes enchentes,
das aluviões que arrastavam
tudo o que podiam arrancar ao continente:
lajeiros escarpados,
árvores vetustas,
grandes quadrúpedes atolados na lama,
frágeis taperas,
aborígines indefesos;
teriam os rios, enfim, com lama e pachorra,
cimentado essa imensa parede calcária em nossas praias?

Aqui, onde pisamos, eram várzeas,
manguezais, lagunas, um grande delta,
onde os rios Capiberibe e Beberibe se espraiavam em regos,
regatos, rasas restingas, córregos, riachos, pauis e lagoas.
Éramos uma povoação que emergia das águas.

Acqua deveria ser o seu nome.

Mesmo essas pedras longilíneas,
que ora seguram as ressacas de agosto,
são filhas das águas.
Da paciência das águas operárias
e do tempo em seu fluxo inexorável.

Dessas duas forças insustentáveis em seu curso,
sedimentou-se essa antiqüíssima vila de pescadores,
calcária como a pedra dos arrecifes.
Somos a construção da persistente
engenharia dos rios e da sua inelutável
decisão de alcançar o Atlântico.

Ilha de Antonio Vaz - Recife - 1637