sábado, 31 de julho de 2010

XXII- CÉLULA

♠ Leocádio já tinha avisado que eles viriam. Era o nosso homem infiltrado. Logo cedo queimamos os livros ata e centenas de panfletos. Alguns arribaram. Figueiredo fugiu pro Caiara. Elias Melo e seu sobrinho, Emerson, sumiram por uns dias.
De tarde, prenderam o camarada Honório, ele sim, um agitador, nem tanto pelo comunismo, mas defensor do Governador Miguel Arraes, de quem todos nós éramos eleitores.

♦ Ao cair do dia, retorna o pobre Honório, todo quebrado do pau de arara. Enfiou-se dentro de casa, tomado de pânico. Avisou que eles viriam a qualquer momento.

Eles vieram.
Eram quatro. Um oficial, um sargento e dois praças, um deles era o motorista.
Desceram da viatura verde-oliva. Um Jipe 58, que apelidavam de “bodinho americano”, herança da segunda guerra mundial. O oficial aproximou-se da porta da venda, em que funcionava uma Liga de Dominó. Foi então que, num repente, Seu Manoel Pereira, ex-combatente de Monte Castelo e patriota ferrenho, dono do estabelecimento onde funcionava a Liga, cobriu-se com a Bandeira Nacional e, de braços abertos, postou-se à porta principal e bradou, a plenos pulmões:

♣ – AQUI NINGUÉM ENTRA! NÓS TAMBÉM SOMOS BRASILEIROS!

♥ Marília me contava isso com orgulho. Dizia-me que aquela era a história feita pelo povo, pelos anônimos. O que hoje eu chamo de intra-história. E era mesmo. Quem sabe quantas façanhas como essa, aconteceram nos arrabaldes do Recife, nas vilas, nos engenhos distantes, nos sítios?

O povo humilde, a poeira, tentou defender o Governador Arraes, mas, a medo de canhões..., desistiu.



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