...A correnteza do Rio Pina conduz lentamente a baiteira e impõe esse ritmo narrativo moroso e fluvial. Aponto a objetiva para as margens do rio. Passa por nós uma negra pescadora: um cesto cheio de crustáceos na cabeça e uma menina raquítica agarrada à sua mão. Passam à nossa frente: chape-chape na terra mole da margem do rio.
Zoom:
(Patas longas, desajeitados, os caranguejos engalfinham-se, disputando um exíguo espaço;
A água suja desce pelas tramas do cesto e lhe escorre pelas sobrancelhas..., nariz..., boca...
(Em slow motion, pela blusa, onde balançam belos seios volumosos, escorre a água e o suor...)
A mulher negra, impaciente, arrasta pela lama a pobre infanta. Tentemos aproximar o barco. Preciso de um melhor enquadramento.
Zoom:
(Mão calosa, unhas cheias de lama, aperta a franzina mão, sem pena, da menina...)
Encontrei um ângulo melhor. Pare os remos, por favor!
Zoom:
(Pernas finas, pequenina, a menina franzina anda, salta, corre, cai-não-cai, pelas tramas do texto, tentando seguir as passadas da mãe...)
Percebem a manobra da baiteira e, ligeiras, tomam uma linha perpendicular à margem. Logo alcançam o barranco de terra firme. Daí ao ancoradouro foi um salto. Depois, uma viela as encobre. Fogem da nossa vista como xiés assustados. Entocam-se.
Recolho o equipamento, tendo o cuidado de envolvê-lo em sua capa, para evitar os respingos da água fétida da maré.
Enquanto regressamos para a bacia do Pina, o velho barqueiro me alerta para os perigos da minha empreitada. O povo daqui é muito cismado, não quer graça com estranhos.
Sempre foi assim, penso eu.
Nas primeiras abordagens dos navegadores europeus em terras do Novo Mundo, os aborígines, desconfiados, corriam para a selva e ficavam espiando, escondidos entre as palmeiras, o desembarque daqueles estranhos visitantes.
...A baiteira passa vagarosamente em frente às palafitas. Olhos curiosos, nos mocambos, espreitam pelas frestas das paredes de tábua e zinco.
►XVIII
►alea índex
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