sábado, 31 de julho de 2010

X – PACAIO

Tábua de Marés
Preamar # 02h21



...ACENDE um pacaio entre as mãos em concha. Baforadas breves e tragadas fundas, para não perder a chama boa. Essa insônia deve vir da Lua. Cheia, ela mexe com tudo na Terra. Com o sono dos homens e dos bichos, com o azougue das crianças, a regra das mulheres, as ressacas da maré.

Aqui não há não onça, nem boiúna, moço.
Boto? Não. Tem não. Tem peixe-boi, manso e bom.
O bicho perigoso daqui?
Escreva aí: Gente...
Amigo, gente é o bicho mais perigoso da maré.
Se algo reina encantado por aqui?
Anote: a nossa Mamãe Lua.
Outra coisa encantada? A ventania de agosto...

...Lá fora o vento assobia pelos desvãos dos mocambos. Levanta o lixo no pé das cercas. Açoita os frágeis telhados. Vai varrer a noite inteira, vassoura invisível. Friezinha boa, maresia. Acostumado ao cheirinho da maré. Bom de ficar ‘maginando, pitando um pacaio, pensando na vida’. Eita, ventinho bom! Deus nos acuda dos ventos de agosto. Mas esse... sopra mansinho,
Fazer o quê? A mulher vai ficar ouvindo o radinho a noite toda. Nesses dias ela fica enjoada. Enxaqueca. Tem mulher que nem liga. Ela, não. Nunca faz. Nunca. Deixa pra lá. Fazer o quê? É melhor ficar quieto. Esperar a mulher melhorar. Essa lua... Essa brisa... Dá vontade de desamarrar a baiteira e dar umas remadas pela madrugada. Poderia ir até o Buraco da Draga. Lá tem um bar flutuante que vende cachaça a noite toda. Deixa pra lá. Melhor, não. É melhor evitar de beber. Amanhã bem cedinho pegar no batente. Apanhar meus papéis e ajudar minha velha a criar esses netos.

Pedro, vem dormir não? resmungou a mulher.
Vou já! respondeu, soprando espirais de fumaça no ar.


►XI

►alea índex

III◄