sábado, 31 de julho de 2010

III – DOS ANTÍPODAS





Quando o grande escritor Koyo Ozaki pegava a pena e sentava à mesa, não negligenciava uma frase sequer, revendo e aperfeiçoando o texto inúmeras vezes. Ele se trancava no seu escritório que ficava na parte sul de sua casa em Yokoderacho, em Ushigome, e elaborava as suas idéias. Quando não lhe vinham boas idéias facilmente, tinha o costume de morder a articulação do dedo médio da mão esquerda; tanto que a junta daquele dedo acabou ficando grossa e deformada. Um manuscrito era rasurado várias vezes. Sobre as rasuras ele colava papel e tornava a reescrever a idéia, escolhendo as letras adequadas. Por isso o seu manuscrito perdia praticamente a aparência de texto, tornando trabalhosa a composição gráfica.

Jinsei Wo Suru,
MASAHARU TANIGUCHI, Ph. D., 1948.






(...) no escritório da José Olympio, em São Paulo. Caiu-me sob os olhos, casualmente, uma página de não sei que original de mestre Freyre. Nada menos cartesiano, senhores e senhoras. Nenhuma realidade “menos exata” (...) Direi mesmo: algo de assustar à primeira vista. Aquela página era uma peça compósita, onde havia de tudo – linhas à máquina, anotações manuscritas, emendas, superposições, retalhos de jornais e revistas, uma mixórdia de elementos visualmente heterogêneos, produzindo em conjunto o efeito de uma colagem anárquica. Não, aquilo não era uma página regularmente dactiloscrita, ou manuscrita. Não lembrava nem de longe aquele objeto de análise consagrado pela crítica literária com o nome insípido e inodoro de “texto’. Aquilo era um produto tanto cerebral quanto manual, uma peça de artesanato montada ao sabor das associações errantes, plasmada por quem gosta de palpar as idéias, acariciar os conceitos e as imagens, como se fossem coisas vivas. (...) Gilberto, ao escrever, não visa obter (...) a página assepticamente grafada, e, sim deleitar-se com a ocupação de escrever, que ele transforma num jogo de armar parecido com os que divertem as crianças.Por isso ele volta a reelaborar a mesma página, acrescentando-lhe novos elementos ideais, ao mesmo tempo que enriquece seu aspecto visual, com a mesma fantasia lúdica do artista plástico popular. (...)”

(Texto de intervenção do debatedor G. M. Kujawski, em Simpósio Internacional sobre Gilberto Freyre, UnB, 1980)



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