ANDAIMES DA OBRA

Esses andaimes sustentam (e são sustentados) pela estrutura visível e invisível desta obra, que tem quatro andares e um subsolo:


1º pavimento: ergue-se do substrato formal (fundações morfo-linguísticas)
2º pavimento: surge das unidades de significação (asas semiológicas)
3º pavimento: arquiteta-se em aspectos esquemáticos ( nexo interno, referenciais, plano da obra)
4º pavimento: apresenta o espectro das objetividades possíveis (sintaxe externa, obra em contexto)
Subsolo:
guarda o nexo indizível de tudo, a metáfora, a chave da estrutura, a rede de relações entre as unidades móveis do texto (estratos), que se instauram à medida em que se estabelece sua própria rede de relações.



http://www.ignant.de/2011/06/08/liddy-scheffknecht/


Andaime I:

Abaixo transcrevo essa nota encontrada, por acaso, à p. 17, do livro
OS VELHOS MARINHEIROS, de Jorge Amado, antiga edição de 1969,
exemplar da Biblioteca Vovô Luiz de Melo, sob minha guarda:
Nota 1 – inicio hoje os apontamentos e
estudos para o romance “Pina”.
2/7/93
Eurico - Pina


Não. Não vos contarei histórias do mar. Nem de pes-
cadores valentes, saveiros e jangadas. Todavia vos contarei
histórias de homens e mulheres que vivem do mar e de seus
frutos. Mas não o mar amplo, profundo. Um mar mais
fechado, sem horizontes. O lugar onde se encontram mar
e rio. O doce e o salgado. Vos contarei histórias dos
homens da maré, dos palafitas, dos caranguejos, da lama
e do manguezal.



Andaime II:


Intuições, 21.08.05:

Emergirão na trama romanesca, como pequenas ilhotas à flor d’água:
1- depoimentos, fictícios ou não, de favelados ribeirinhos, egressos do sertão;
2) recortes das páginas policiais; (pesquisar na hemeroteca)
3) notícias das filas de hospitais e do INSS; (pesquisar na hemeroteca)
4) sumários crimes sobre apenados dos presídios, todos egressos das favelas do Recife. (pesquisar no arquivo forense)
Ou seja, uma certa intra-história do submundo miserável das populações pobres e anônimas, que, no dizer de Unamuno, são multidões silenciosas que produzem os alicerces da história oficial.
Andaime III:
Em 14/08/06 separei o trabalho ainda manuscrito por temas, cuja papelada guardei entre folhas de papel almaço, num arquivamento, grosso modo. Os temas são:
1- Cenário: acqua, prólogo, rizophora, etc.
2- Metatextos: penca, hipertextos, bóstrix*, advertência etc.
3-Jorge: Rio Tejipió, máscara
4-Marília: zoom, tripé, discurso fluvial etc.
5- Intra-históricos*: pedro antonio, magriço, ôio azul, magricela madréporas*, etc.
Legenda das Cores: (usada no modelo Word)
Preto/índigo: poesia, prosa, o corpo do romance em si.
Amarelo escuro: epígrafes, fichas de leitura, citações, apropriações.
Cinza azulado: reflexões, memórias e reminiscências de/ou sobre Jorge Cabral
Verde: tudo o que se refere a mangue ou água.
Marrom: tudo o que se refere ao processo criativo; metalinguagem, metapoética.*
Azul: Marília Spencer, fotografias e super 8.



Andaime V:

Página 137 de Rayuela, de Júlio Cortázar.
(modelo para as páginas impressas do Bóstrix)


ANDAIME VI:

Glossário: (um andaime interessantíssimo)

BÓSTRIX: do grego bóstryx, ‘caracol’.

CENTRUM UBIQUE, CIRCUMFERENTIA VERO NUSQUAM: do latim – o centro está em todo lugar, mas a circunferência em lugar nenhum.

INTRA-HISTÓRIA: termo criado por Miguel de Unamuno para designar aquilo que está no interior da história; espécie de não-história (viva e presente), que se oculta sob a história oficial (feita de passado); a tradição eterna (e sempre presente) gravada nos usos e vigências dos povos.

INTRA-HISTÓRICO: relativo à intra-história.

MADRÉPORAS: animais marinhos formadores de recifes.

METALINGUAGEM: linguagem que é usada para explicar outra ou a si mesma. Um glossário é uma espécie de metalinguagem, etc.

METAPOÉTICA: assim como metalinguagem, texto que se auto-explica, trata-se de explicar aspectos do processo criativo, que em outras obras fica oculto, e nessa está escancarado, ma non troppo.


ANDAIME VII:

RASCUNHOS (material reciclável)

Tendo os mangues realizado esta obra ciclópica, não admiro que, hoje, sejam eles divinizados pelos habitantes desta área, embora não saibam os homens explicar como o mangue realiza este milagre de criar terra como se fosse um deus. Mas eles vêem até hoje crescerem ante seus olhos as coroas lodosas e transformarem-se, pela força construtoras dos mangues, em ilhas verdejantes, fervilhantes de vida. E vêem, assombrados, proliferarem em torno das ilhas maiores, outras pequeninas, como saídas durante a noite de seu ventre, em misterioso parto da terra que o mangue milagrosamente ajuda.”
Josué de Castro

“O passado não só não morreu, como ainda está presente.”
James Joyce
(Obs. do Autor: É pela intra-história que se concretiza essa assertiva joyceana...)

“A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.”
Oswald de Andrade

“Sou apenas um homem/ Um homem pequenino à beira de um rio/ Vejo as águas que passam e não as compreendo/ ...Sou apenas o sorriso na face de um homem calado” (Drummond/América - trecho)


ANDAIME VIII: (estudos das seqüências narrativas do Bóstrix)
ANDAIME IX:

A TÉCNICA DA MONTAGEM EM BERLIM ALEXANDERPLATZ , DE ALFRED DÖBLIN
Carlos Eduardo Netto
UFSCAR

No livro Berlim Alexanderplatz (1929), Alfred Döblin narra a história de Franz Biberkopf, um ex-presidiário que tenta ser “decente”. A obra é uma epopéia urbana, em que são relatados os golpes sofridos pela personagem e, em conseqüência deles, suas desilusões. Biberkopf vai descobrindo que não é fácil atingir seu objetivo; a maldade dos inimigos chega ao ponto de ele ser atirado para fora de um carro em movimento e, por causa disso, perder o braço direito.
Döblin poderia contar essa história utilizando uma técnica tradicional, tal como a empregada nos romances do século XIX. No entanto, ele opta por uma linguagem que representa fragmentos de episódios. Compete ao leitor reunir os “estilhaços” em que se apresenta a narrativa, se quiser compor uma paráfrase. De qualquer modo, sente-se que a linearidade e a coesão das fábulas estão definitivamente perdidas. Assim como um vaso colado não é o mesmo de antes, certas narrativas trazem as marcas da perda da totalidade.
O narrador de Berlim Alexanderplatz pode ser visto como a personificação de uma sensibilidade atenta ao pulsar de uma realidade complexa e, no caso da Alemanha, durante a frágil República de Weimar, anunciadora da catástrofe nazista. Esse narrador luta por estar em toda a parte, dentro e fora da consciência das personagens; percorre as ruas, os bares e o matadouro; revisita o texto bíblico e a tradição oral; constata a presença da morte preparando o sacrifício (em vários pontos da história, aparece, como um refrão, a frase: “Ceifeiro é, de morte chamado”); em suma, empenha-se vertiginosamente pelo máximo de onisciência possível.
Embora o exercício da sabedoria narrativa, tal como se apresentava nas narrativas tradicionais, tenha se tornado impossível devido à privação moderna da “faculdade de intercambiar experiências” (BENJAMIN, 1994, p.198), a narração de Berlim Alexanderplatz empreende um retorno ao relato épico, para contar a história de Franz Biberkopf. Mas, neste caso, trata-se de uma narrativa que expõe suas raízes urbanas, fincadas na Zona Leste da Berlim dos anos 1920. Desse modo, o ponto de vista do narrador (ou sua multiplicidade de pontos de vista) posiciona-se no lado de dentro do setor proletário e pequeno burguês da cidade. O recurso de estilo adotado para a representação estética desse contexto foi a montagem , tal como assinala Walter Benjamin, em “A crise do romance” (de 1930):
O princípio estilístico do livro é a montagem. Material impresso de toda ordem, de origem pequeno burguesa, histórias escandalosas, acidentes, sensações de 1928, canções populares e anúncios enxameiam nesse texto. A montagem faz explodir o “romance”, estrutural e estilisticamente, e abre novas possibilidades, de caráter épico. Principalmente na forma. O material da montagem está longe de ser arbitrário. A verdadeira montagem se baseia no documento. Em sua luta fanática contra a obra de arte, o dadaísmo colocou a seu serviço a vida cotidiana, através da montagem. Foi o primeiro a proclamar, ainda que de forma insegura, a hegemonia exclusiva do autêntico. Em seus melhores momentos, o cinema tentou habituar-nos à montagem. Agora, ela se tornou pela primeira vez utilizável para a literatura épica. Os versículos da Bíblia, as estatísticas, os textos publicitários são usados por Döblin para conferir autoridade à ação épica. Eles correspondem aos versos estereotipados da antiga epopéia. (BENJAMIN, 1994, p.56)


Fonte da imagens:
http://www.ignant.de/2011/06/08/liddy-scheffknecht/


http://www.ignant.de/2011/06/08/liddy-scheffknecht/