quinta-feira, 5 de agosto de 2010

LIII - VÉUS E NUDEZ






Mamãe achou a agenda verde. Meu Deus! Não estava com ela! Devia tê-la queimado. Não gostaria que todos aqui soubessem de seu conteúdo. Pra que recordar essas bobagens? Poemas, velhas anotações para um romance esferista, planos de obras nunca acabadas, minha guerra sem testemunhas, minhas coisas: minha nudez. Essa agenda realmente me desnuda. Um poeta se veste de palavras para ficar mais nu, dizia o Mestre. E tinha toda a razão. Véus ou nudez, a Palavra? indagava-me, certo dia, o poeta Getsêmane Barros, entre cervejas, no bar da Algaroba. Hoje, impotente diante dessa agenda em mãos alheias, chego à conclusão que procurávamos. Véus e nudez, a Palavra, Getsêmane, véus e nudez...


As alunas do Mestre Linz chegaram, trazendo rosas amarelas. Dizem que simboliza a amizade. Os artistas-plásticos gostam desses detalhes. Simpáticas e esteticamente perfeitas essas rosas, formando uma circunferência amarelo-ouro, solar. Circunferências lembram-me sempre as nossas fecundas discussões sobre o Esferismo. Deliciosas conversas etílicas nas tardes da Boa-vista. Sempre achei o Esferismo muito parecido com o Perspectivismo de Ortega y Gasset. Mas achava indelicado sugerir isso ao nosso generoso e sexagenário Mestre Jöhan Linz. Bons tempos...mas o grupo Esferista se dispersou. O Getsêmane depois que mudou pro Ibura, anda meio sumido. O Zenóbio e seus Fractais, quem viu? O Serpa Lopes, figura esguia e quixotesca, já o vi pelos cantos da casa, Poliana chorosa. Concha, sempre calada. As colegas da Faculdade também chegam, trazendo rosas nas mãos. Lembram-me os funerais do Claudionor: dei uma rosa vermelha a cada uma delas. As rosas ficaram sobre seu túmulo, inúteis. Mas que assunto triste é esse agora? E por que vocês estão me olhando desse jeito?





►alea índex


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