quarta-feira, 4 de agosto de 2010

XL - LUNAR

CAPÍTULO EM CONSTRUÇÃO (ESBOÇO DA IDÉIA)

TÁBUA DE MARÉS
Preamar#02h21
#14h18
Baixa-mar#08h36
#21h00





(INSERIR IMAGEM)
Disco celeste de Nebra
relógio astronômico com 3600 anos)





As horas correm fluviais, e atravessam essas páginas amareladas. Amarelentas, passam as horas, milhões de horas, dias e noites... A maré, lenta, conta e reconta, suas enchentes, suas vazantes. A maré lenta some no mar/surge do mar: um horológio lunar.

***

Essa planície litorânea, protegida pelas pedras, demonstra, com aquática exatidão, o pensamento do cronista de Canudos, quando postulava que “a geografia prefigura a história”.
Primeiro, as madréporas, com um trabalho paciente de milhões de anos, guarneceram com muralhas, a saída dos cinco rios desse delta, cingindo o mar com essa cinta de arrecifes calcários.
Depois, então, as enxurradas, os aluviões, as águas pluviais, os rios, enfim, foram carreando material para a foz, para o gargalo de pedra, formando aquela lingüeta de terra, o porto natural, atual Cidade antiga.
A flora teve também sua tarefa: as raízes do vasto manguezal foram fixando os resíduos sólidos carreados pelos rios milenares, formando pequenos bancos de areia e lama. Essas pequenas ilhotas permitiram o surgimento de uma fauna, que aprendeu a conviver no ponto de encontro do mar salgado com as águas fluviais.

A força que regia toda essa geografia, o relógio que marcava o tempo dessa proto-história, as sístoles e diástoles desse animal-maré, as enchentes e as vazantes do mar, bebendo os rios:

(((( as fases cíclicas da Lua.

Preparada a geografia, essa ambiência da gesta humana, eis que, num dia remoto, seriam erguidas as choças dos aborígines, dando nascimento à história.
Não seria, decerto, a mesma história que brotaria no sertão, ou na floresta amazônica. Acolá, a geografia é outra, e prefiguraria uma diversa forma de instalação humana no mundo.

Aqui, surgiria o homem da lama e da lua, o homem-caranguejo, assustadiço e noturno:

(((( o homem lunar.

Muitas luas se passaram até que aqui aportou o invasor europeu, com seus missais e seus arcabuzes, forçando os nativos lunares, a internarem-se nas matas, povoando o interior. Ao longo dos séculos de colonização violenta, o invasor, ávido por riquezas naturais, também vai se embrenhando pelos sertões.

No interior do continente, aquela geografia do Sol, das Vidas Secas e da escassez; uma geografia da fome e da sede viria gerar a história de outra povoação. Surgiria ali, outra espécie de indivíduo, com uma feição rude e recrestada:

)))) o sertanejo, o homem solar.

Aqueles homens solares,fugindo dos inóspitos sertões euclydeanos, depois de se insurgirem contra a aspereza da terra e do clima sertanejo, que os enlouquecia de fome e de fé (Canudos, Pedra Bonita), um dia, desceriam, famélicos, seguindo o leito seco dos rios, vindo dar com os costados nas cercanias insalubres do manguezal.

Portanto, essa história que aqui se narra,
inicia-se com as madréporas, trancando a porta dos mares com a pedra dos recifes; continua com o desaguar dos rios, sedimentando a planície litorânea;
agarra-se às raízes do manguezal,
e, finalmente, se instala, nessa face ribeirinha, de alagados, de afogados, de ilhados homens lunares.

Depois, muito depois, aqui chegariam, arribados do sertão, os homens solares.

Carregando na alma o estigma de desterrados, os solares ficariam aluados e sem Deus. Longe de seu habitat, coabitaram com os lunares enformando uma nova povoação. Os descendentes desse novo povo receberiam, por uma antiga taxinomia, a classificação (zoológica?) de bóstrix n’água, cuja característica é viver à-toa, boiando feito lixo, à flor das águas da maré.

A partir desse advento, instaura-se o presente e in/augura-se essa intra-história.



►alea índex


►XXXIII