quarta-feira, 4 de agosto de 2010

XLII – FORASTEIRO







Sempre amei o rio, a lama, o manguezal. Pensava em misturar-me ao povo ribeirinho. Lá estão as baiteiras! Olha lá! Meninos pardos mergulham cinzentos na lama escura para apanhar mariscos cor-de-chumbo. Vida sem cor dos miseráveis! Do Olimpo, espiam indiferentes os demagogos e os tecnocratas. Dói ver a indiferença dos deuses...

Houve um tempo em que me afastei do convívio dos intelectuais e artistas que freqüentavam o ateliê do Mestre. Busquei a amizade dos pescadores. Conversas de aprendiz com os mestres-de-barco. Farras com os lúmpens das palafitas da Ilha-sem-Deus.Tentativa inútil de me sentir povão. Mas, sou um homem marcado. Indigno de viver entre os humildes. Confesso-me um forasteiro entre os simples. Um espião no meio do povo da maré. Um fingidor! E os que lêem o que escrevo sentem bem, a dor lida. Não a minha dor, fingida, mas a dor que eles não têm...




►alea índex

► LXII