quarta-feira, 4 de agosto de 2010

XXXVII - JANELAS

Minha mãe me dava muitos livros. Meu avô me dava muitos livros. Eu então me trancava no quarto. O meu quarto era o dos fundos, o que dava pra Pitombeira. Ali os sorvia, cada capítulo, frase por frase, com uma avidez estranha. Quase em transe! Foi por esse tempo que comecei o meu projeto. Secretamente, transformei a arquitetura do quarto. Construí portas secretas que davam pra outros mundos. Janelas que davam pra amplidão. Mamãe me via escrevendo e dizia que era melhor que eu cuidasse de estudar e parasse de copiar modas. Modas, quer dizer, modinhas, canções. Na época eram populares os jornais-de-samba, folhetos com as músicas preferidas do rádio. Não, Dona Joaninha, não eram modinhas. Não se preocupe, Seu Cabral, seu filho não é um maricas. Não eram modas, eram poemas. Os mesmos que eu um dia iria queimar em uma de minhas crises depressivas. Poemas fugazes de paixões mais fugazes ainda. Alguém me disse, foi um desperdício, a cremação. Deveria ter queimado meus desencantos por dentro. Ora, meus desencantos só findariam se eu me atirasse às chamas. Eu era covarde demais para o ato. Tremi. Não era ainda meu dia... Menino, abre esse quarto! Ó Jorge, apaga essa luz!...




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►XXXVIII